Financiamento Público: Por um SUAS com recurso público
O tema financiamento público representa para muitas/os brasileiras/os e trabalhadoras/es um debate complexo. Isso se dá em virtude da utilização de palavras tecnicistas, o que faz parte de uma nefasta estratégia neoliberal para que poucas/os tenham compreensão e condições para alavancar a discussão sobre a temática, o que diminui a participação popular e consequentemente a capilaridade da democracia.
Portanto, a utilização de discursos complicados cumpre a função de nos afastar do importante tema financiamento das políticas públicas e o seu fortalecimento, principalmente diante do acirramento das vulnerabilidades sociais que se apresentam cada vez mais no “cenário pós-pandêmico”.
Isto posto, a discussão sobre financiamento, primeiro eixo temático da 13ª Conferência de Assistência Social, pretende colocar em debate sobre os orçamentos municipais, o compartilhamento das co-responsabilidades nos investimentos entre os entes federativos, financiamento dos serviços, programas e benefícios socioassistencias no SUAS, etc.
A convocatória do CNAS por meio do informe CNAS 03/2023 nos provoca a pensar sobre como é possível efetivar o planejamento diante das inúmeras demandas que surgem no âmbito socioassistencial, como destinar os recursos no enfrentamento das desigualdades sociais que se apresentam considerando as especificidades regionais, sobre a necessidade de reconhecer as demandas urgentes e emergentes, além da garantia de aplicabilidade dos recursos na execução dos serviços, programas projetos e benefícios.
Para isto, é imprescindível compreender como são utilizadas as receitas públicas e os investimentos. De acordo com gráfico abaixo elaborado pela Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) no ano de 2023 os gastos do governo federal somaram R$ 1,879 trilhão, ou seja, 46,3% do Orçamento Federal Executado (pago) apenas com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
Isso quer dizer que, todas as demais despesas públicas correspondem a um segundo plano de investimento e financiamento. A Política de Assistência Social, por exemplo, correspondeu ao pagamento de 4,77% do orçamento federal executado em 2022. Ou seja, completamente desproporcional ao agravamento e aumento das vulnerabilidades sociais como a fome, pobreza e desigualdade social apresentado pela Rede PENSSAN por meio do Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil (2022).
Além disso, vivenciamos um momento emblemático de reconstrução do SUAS, no qual há um panorama de desmonte de políticas públicas que foi documentado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2023). O IPEA (2023) analisa diversas questões de ordem política, econômica e social que incidem sobre o desmantelamento sistemático das políticas públicas desde o ano de 2016.
Não obstante, desde 2016 há a vigência da emenda constitucional 95/2016 que congela os gastos públicos, impede investimentos, agrava a recessão e prejudica novamente as/os mais pobres ao diminuir os recursos para as políticas públicas, no qual o verdadeiro objetivo foi facilitar a terceirização, beneficiar os empresários donos dos planos de saúde, comprometer a manutenção e continuidade serviços do SUAS, etc.
Enquanto Fórum Nacional das/os Trabalhadoras/res do SUAS (FNTSUAS), instância de representação das trabalhadoras e trabalhadores do SUAS, cabe apontar a perda incalculável do acesso aos direitos sociais por parte das/os usuárias/os, famílias e territórios, principalmente em decorrência da fragilidade em que os serviços se encontram, uma vez que esses serviços contam apenas com as equipes mínimas de referência para administrar e gerir toda a sua execução.
Assim, as demandas socioassistenciais e intersetoriais apresentam-se com outras complexidades oriundas do pós-pandemia. Além disso, há uma descontinuidade descomedida em relação a efetivação destes serviços em decorrência da precarização dos vínculos de trabalho celebrados via termo de colaboração, contratação temporária, MEI e até mesmo pregão eletrônico em algumas regiões do Brasil.
Enquanto a realidade no chão do SUAS acontece, de adoecimento das equipes, exploração de sua força de trabalho, descontinuidade dos serviços e cada vez mais brasileiras e brasileiros vítimas do desmonte e precarização, há segmentos notáveis que tenham confundir a sociedade, dizendo que no Brasil existe um déficit financeiro, que somente um arcabouço fiscal limitando os investimentos públicos será a solução para o retorno de país próspero e justo, entretanto esconde as reais intenções de um regime totalitário, de marginalização e anti-democrático.
O artigo publicado pelo site esquerdaonline (2023) produziu uma análise de que o arcabouço fiscal, apresentado ao Congresso pelo Governo Lula, é mais um instrumento de austeridade fiscal no qual o destino é justamente o pagamento da famigerada dívida pública, além de impor diversas limitações neste orçamento e financiamento público.
Na verdade, o que a auditoria constatou sobre financiamento da dívida, é que o seu pagamento impede a realização dos investimentos que são necessários para a máquina pública, compromete o funcionamento de órgãos essenciais, impede investimentos basilares ao desenvolvimento socioeconômico do país e de suas cidadãs.
A Auditoria Cidadã da Dívida (2023) identificou que o pagamento da dívida beneficia, principalmente bancos e grandes rentistas, enquanto a população sobre com a falta de recurso para o atendimento das necessidades sociais básicas, visto que muitos serviços ficam inviabilizadas de exercer os seus respectivos trabalhos, serviços sendo desmontados, sem trabalhadoras/res suficientes, adoecimento em larga escala, com salários indignos e desumanos.
O SUAS é um dos maiores sistemas de proteção social do mundo, tendo em vista sua cobertura territorial e a provisão de serviços e benefícios, destinando-se às pessoas, famílias e populações em situação de vulnerabilidade social, como a pobreza extrema e as violações de direitos.
De um lado, a recomposição de recursos para, pelo menos, um patamar sem os impactos da Emenda Constitucional n º 95/16 e em conformidade às deliberações do Conselho Nacional de Assistência Social, acompanhada pela revisão da Portaria nº 2362/2019 são urgentes.
Existe no momento, em tramitação na Câmara dos Deputados a proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 383/2017, que prevê a aplicação, anualmente, de, pelo menos, 1% da receita líquida corrente da União para o financiamento do SUAS, ou seja, estabelece recursos mínimos para o financiamento da Assistência Social, a exemplo da saúde e da educação. Esta PEC prevê que os gastos se concentrem em ações e serviços de assistência social, excluindo do percentual obrigatório, por exemplo, despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A proposta também cria uma regra de transição: 0,5% da RCL nos dois primeiros anos, passando a 1% após o terceiro ano.
No cenário de desfinanciamento dos últimos anos, A aprovação da emenda será essencial para manutenção e ampliação das proteções afiançadas pelo SUAS.
Constatamos uma redução de mais de 60% no financiamento do SUAS, quando observamos que, em 2016, ano de aprovação da EC nº 95/16, foi destinado para Assistência Social R$ 2,1 bi, e para o ano de 2020 foi aprovado R$ 1,3 bi, em um contexto de aprofundamento da miséria, da pobreza frente profunda precarização das condições de vida e de trabalho no contexto da pandemia da COVID-19 no Brasil.
Exemplos desse desfinanciamento, de acordo com o Estudo Proteção Social, Desproteção e Financiamento do SUAS: Análise do Financiamento do SUAS e dos Benefícios Socioassistenciais em relação ao Bloco de Gestão do SUAS, constatamos que sofreu quedas de 51,1% em 2018, 26,6% em 2019 e zera em 2020.
SUAS em números : análise do financiamento do SUAS e dos benefícios socioassistenciais : vol. 2 / Jucimeri Isolda Silveira (organizadora). – 1.ed. – Curitiba, PR : NDH-PUCPR, 2022.
Outra medida econômica que dialoga diretamente com esse cenário apontado é a reforma tributária. A extinção aprovada em uma das casas do congresso nacional, de PIS, COFINS e CSLL, principais financiadores da Seguridade Social (Saúde, Assistência Social, e Previdência), não sinaliza nem a manutenção dos atuais níveis de financiamento, já insuficientes, como extensamente aqui demonstrado.
Além disso, vale apontar que a divisão da reforma em dois turnos, em um congresso majoritariamente elitista e conservador, resolveu se debruçar primeiro sobre a taxação do consumo, deixando o debate sobre renda para depois. O que deixa no ar, ideias de taxar de forma mais acentuada, grandes fortunas, heranças, e patrimônios de altíssimo valor. Sob estes aspectos, cabe indagar ao congresso, se ele terá a coragem necessária para serrar os galhos nos quais a maioria esmagadora dos congressistas estão sentados?
Deste modo, é urgente acompanhar passo a passo de todo o processo de financiamento, visto que ainda temos os juros reais (descontada a inflação) mais altos do mundo, sufocando e roubando o poder de compra da classe trabalhadora para aumentar o lucro dos banqueiros e seus investidores que vivem de renda, originária dessa verdadeira agiotagem legalizada (cartões de crédito a juros de 400% ao ano, por exemplo).
É imperativo, aprovar resoluções que apontem caminhos alternativos, que sirvam de legítima pressão junto a esse congresso, no sentido de garantir os direitos constitucionais, as políticas públicas e no nosso caso, especialmente o SUAS. É igualmente necessário pressionar congressistas nas suas bases, nessa mesma direção, pois se com pressão será arduamente difícil, sem nenhuma, a derrota será uma certeza mais que absoluta.
Neste sentido, vale destacar que não é possível discutir financiamento no âmbito do SUAS desconsiderando tais aspectos acerca da emenda constitucional 95/2016, dívida pública e novo arcabouço fiscal, pois incidem diretamente nos serviços ofertados em relação a sua manutenção, continuidade, qualidade e ampliação, especialmente neste cenário do SUAS que queremos! Um SUAS plural, diverso, fortalecido, universal, horizontal, com participação popular em suas instâncias de controle social!
Por um SUAS em que as/os trabalhadoras/res tenham salários dignos para sustentar as suas famílias, que as cargas horárias sejam adequadas, que as/os profissionais não adoeçam por causa do processo de trabalho desgastante, não sofram com o assédio moral e perseguições no exercício de sua função, nos espaços de controle social e em nenhum lugar!
O SUAS que queremos, é este. Construído coletivamente e em defesa de no mínimo 1% dos recursos da Receita Corrente Líquida - RCL da União para o Sistema Único de Assistência Social!
REFERÊNCIAS
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