Trancar não é cuidar! Compreenda o porquê o Fórum Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores do SUAS (FNTSUAS) é completamente CONTRA o financiamento público de Comunidades Terapêuticas no âmbito do SUAS!
1) Lógica manicomial: Manicomilidade ou lógica manicomial se refere a qualquer prática que aprisiona os corpos e as subjetividades, também possui caráter discriminatório, classificador, normatizador, de dominação, isolamento e violação de direitos. São fazeres combatidos pela reforma psiquiátrica ao longo dos anos pelo movimento da Luta Antimanicomial presentes no mundo e em todo o território brasileiro, no qual reúne organicamente usuárias (os), trabalhadoras (res) e familiares. A reforma psiquiátrica expressa no Brasil por meio da Lei Paulo Delgado nº 10.216/2001 garante o tratamento em saúde mental em liberdade de cunho participativo, comunitário e territorializado, com respeito e dignidade, ao passo que institui o fechamento progressivo dos manicômios em todo o país, indicando a internação APENAS quando os recursos extrahospitalares se mostrarem insuficientes. Outra conquista da Luta Antimanicomial é a Portaria nº 3.088/2011, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), além de organizar os seus componentes e serviços;
2) Cuidado em Liberdade¹: A literatura mundial tem mostrado que as internações de longa permanência têm efeitos quanto ao desenvolvimento de cronificação das (os) pacientes, estigma e discriminação, perda de vínculos familiares e comunitários, além de haver a existência de violações dos direitos humanos e sociais, o que tem levado cada vez mais, as entidades internacionais de direitos humanos, de saúde pública e saúde mental apontarem o cuidado em liberdade, ou seja, os processos de reforma psiquiátrica como alternativa para de fato promoção de saúde e de dignidade;
3) Comunidade Terapêutica NÃO é um Serviço Tipificado do SUAS: Além das comunidades terapêuticas não promoverem tratamento em saúde, elas também não são um serviço tipificado da Política de Assistência Social de Proteção Social Básica e Especial, disposto na Resolução CNAS nº 109/2009. Isso quer dizer que, as comunidades terapêuticas definitivamente não são equipamentos do SUAS, portanto não devem ser financiados com recursos da Assistência Social;
4) Enfraquecimento e fragmentação das políticas públicas: A destinação de recursos do SUAS para as comunidades terapêuticas enfraquece e fragmenta as políticas públicas, pois há a substituição do financiamento pertencente a Política de Assistência Social para uma instituição não tipificada, o que corrobora com o desfinanciamento do SUAS. Ainda, em se tratando de recursos no âmbito do SUAS, é a política pública que possui a menor receita líquida para a execução dos serviços tipificados, isto é, a destinação de recursos do SUAS para as comunidades terapêuticas dispersam recursos imprescindíveis para a execução dos Serviços de Assistência Social, retirando recursos do qual DEVEM ser destinadas para os equipamentos, serviços, programas e projetos do SUAS;
5) Abstinência não é tratamento de saúde: A OMS² considera como tratamento de saúde mental no âmbito do uso abusivo do álcool e outras drogas a estratégia da redução de danos, que utiliza diversas estratégias e alternativas como forma de cuidado. A lógica da imposição de forma abrupta da abstinência aliado ao modelo asilar e hospitalocêntrico, desconsidera os diversos objetivos de cuidado, no qual o compromisso com as vidas se direciona no desenvolvimento de autonomia, protagonismo e redução de danos;
6) Fere a laicidade do Estado: Um grande e significativo número de comunidades terapêuticas possuem viés religioso o qual impõe a obrigatoriedade das (os) internas (os) a conversão espiritual por meio de coerções, dogmas, princípios, participação de rituais, etc. Tais condições violam a Constituição Federal do nosso país quanto à laicidade do Estado, isso quer dizer que o Estado deve manter uma posição neutra no aspecto religioso, buscando a imparcialidade nestes campos. Portanto, apoiar e financiar instituições com práticas religiosas fere a característica constitucional da laicidade do Estado;
7) Presença de maus-tratos e violências: Em 2017 ocorreu uma Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas³ no qual mobilizou o Conselho Federal de Psicologia, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e Ministério Público Federal. A ação identificou a presença de práticas de castigo, punição, contenção mecânica com utilização de amarras ou química por meio de medicamentos, violência física, trabalho forçado e em condições degradantes a internos, dentre outras violências.
Esses são os principais motivos pelos quais o FNTSUAS posiciona-se radicalmente contrário ao financiamento público de Comunidades Terapêuticas no âmbito do SUAS. Defendemos absolutamente que o cuidado seja promovido em liberdade em consonância com a reforma psiquiátrica e movimento da luta antimanicomial, como também sejam garantidos a todas, todos e todes que usam abusivamente de álcool e outras drogas a preservação de seus direitos humanos, que suas famílias possam utilizar o SUAS em sua totalidade no que compete a Proteção Social e as suas seguranças afiançadas. Reiteramos o nosso compromisso social com as vidas em toda a sua pluralidade e potência, bem como afirmamos energicamente que trancar não é cuidar!
Referências
¹http://www.crprj.org.br/site/wp-content/uploads/2019/02/Note-tecnica-Saude-Mental.pdf
³https://site.cfp.org.br/publicacao/relatorio-da-inspecao-nacional-em-comunidades-terapeuticas/
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