quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

FNTSUAS divulga a "Carta de São Paulo" com posicionamento coletivo do IX Seminário Nacional do FNTSUAS

CARTA DE SÃO PAULO/SP    

As/Os Trabalhadoras/es do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), de  todas as  regiões do Brasil, que estiveram reunidas/os em São Paulo/SP nos dias 02 e 03 de fevereiro de 2024, participando do IX Seminário Nacional do FNTSUAS, que teve como tema central - "Representação e Representatividade: trabalho no SUAS, os espaços de organização das/os trabalhadoras/es e o cotidiano dos serviços", lugar público que responde a direitos constitucionais da população, vem a público manifestar defesa intransigente do SUAS e das instâncias de participação das/os trabalhadoras/es do SUAS.   

O Seminário, que ocorreu de forma híbrida, contou com a participação de 303 pessoas, entre presencial e online, na transmissão e participação ao vivo, trabalhadoras/es, de 16 Estados e do Distrito Federal, contemplando a diversidade territorial do País. Durante as atividades, reafirmarmos a importância do Fórum Nacional de Trabalhadoras/es do SUAS (FNTSUAS), como espaço fundamental de participação e mobilização política das/os trabalhadoras/es do SUAS, sendo instância de articulação, representatividade e fortalecimento de forma propositiva, integrante do SUAS, referendado pela Resolução nº 06/2015 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).   

A Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei n. 8.742/1993) completou 30 anos, em dezembro de 2023. Ela é uma manifestação expressa de direito constitucional à proteção social pela Política Pública de Assistência Social em território nacional, principalmente pela estruturação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, que deve prover atenção protetiva por unidades de referência, serviços socioassistenciais, benefícios continuados e eventuais, manter a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos, ofertados por unidades públicas e privadas, e são operacionalizados por um conjunto de trabalhadoras/es de ensino fundamental, médio e superior. A elas/es devem ser garantidas condições de trabalho em equipe interdisciplinar.  

O trabalho realizado apresenta desafios diários, dentre eles se constata a precarização dos serviços ofertados nas unidades de referência e nos serviços socioassistenciais, que não cobrem a demanda, não possuem as equipes necessárias e programadas, nem condições adequadas em sua infraestrutura de funcionamento. O custeio de pessoal, meios e materiais está muito abaixo do adequado e necessário. Os investimentos são insuficientes não só para manter, mas para expandir a rede causando filas e ausência de condições necessárias. As equipes são reduzidas e recebem demandas de novas modalidades de procedimentos, sem ter condições básicas de ação garantidas. Em muitos casos acabam inclusive desrespeitando as diretrizes da própria NOB-RH (2006).   

A reconstrução da conjuntura nacional, numa quadra de tempo próxima a contemplar uma década, mostra progressivo desmonte no trato do SUAS, como: alterações do governo federal em 2016, incidência da pandemia da COVID-19, ausência de coordenação federal do SUAS, rebaixamento na hierarquia ministerial da Secretaria Nacional de Assistência Social. As consequências da pandemia nas famílias que utilizam do SUAS, demonstrou a essencialidade do SUAS e da ação de acesso a equipamentos (EPI) de proteção e inserção em orientações de medidas de cuidados. 

Foram nítidos os impactos vivenciados pela classe trabalhadora do país, da população em situação de rua nos centros urbanos em razão da necessidade de sobrevivência, tanto pela renda, quanto por demanda de acolhimento, foram buscar nas unidades socioassistenciais, e em muitos casos, encontraram forte sucateamento de condições, demonstração de descaso no trato da política, que foi inserida no projeto conservador e ultra neoliberal na esfera federal que repercutiu nos demais entes federativos. 

Com a pandemia e o “des”governo (2016-2022), as situações de violências expressas em classe, gênero, raça e sexualidade se intensificaram, violências domésticas, urbanas e no campo, marginalização de povos e comunidades, ampliação dos preconceitos, aumentaram a opressão de todo o povo; expressões essas, agravadas por um ESTADO mínimo para a classe trabalhadora e ESTADO máximo para o capital, onde as demandas sociais são negligenciadas, pelo governo declarado opressor.  Essa dura realidade se materializou em demandas que chegaram aos serviços socioassistenciais, mas que não contaram com respaldo da gestão em gerir estratégias objetivando a proteção social, prevista na política do SUAS. Nesse cenário, em que as condições de trabalho demonstraram desafios incomuns, em meio a realidade brasileira (racista, capitalista e patriarcal), conviver nos serviços sem estrutura de Estado, exigiu muita ação coletiva e estratégias de organização e proteção, pois a nós- trabalhadoras/es, a pandemia também escancarou necessárias medidas de sobrevivência.   

Outro elemento importante, é o desfinanciamento contínuo, que inviabilizam a realização de um trabalho social com condições éticas e técnicas, gerando sensação de impotência e adoecimento às/aos trabalhadoras/es. Depender de vontade política, em uma política pública com uso histórico de moeda de troca de interesses políticos, em geral pessoais, eleitoreiros e mesmo partidários, continua sendo uma afronta aos direitos sociais e humanos. 

O SUAS passou a ser escanteado, não compondo a agenda de prioridades, e talvez, ainda, nem seja compreendido em profundidade pelo Executivo - que insiste em atravessar programas e utilizar estratégias punitivistas e de responsabilização no trato com a/o usuária/o, como as divulgações pela área de comunicação, que enfatizam ações de averiguação recentes no cadastro único.  

Outros elementos, necessários a destacar, é: a ausência de nomeação oficial de servidor do MDAS para o diálogo direto com a Secretaria de Participação Social da Presidência da República, o único Ministério a não realizar tal nomeação; e, a inócua incidência do mesmo órgão em relação a elaboração do Plano Plurianual (PPA), que evidencia também a temporalidade inadequada do Processo Conferencial que se realizou fora do prazo da elaboração do PPA, fato a ser revisto para o próximo processo conferencial. A invisibilidade ficou escancarada pela ausência do Presidente da República na XIII Conferência Nacional – gesto inédito em outras Conferências Nacionais.  

O trato orçamentário do SUAS pelo Congresso mostra contínuo contingenciamento, exigindo um eterno movimento de ‘pires na mão’ implorando migalhas financeiras para manutenção da rede de proteção social do SUAS, que são essenciais à vida da população. A conjuntura exige ainda, a realização de incidência contundente entre todos os espaços colegiados e órgãos do executivo para a aprovação da PEC 383/2017 que estabelece um mínimo constitucional para o orçamento do SUAS. 

Com a retomada dos espaços de controle social, as estratégias de mobilização também demonstraram importante caminho de conquista de direitos. E muitos reflexos da situação acima relatada, ainda reverberam no cotidiano profissional. Reconhecemos que os desafios estão presentes nos espaços de negociação e incidência política, nas disputas existentes, mesmo no campo “progressista”. E nesse sentido, exigem a necessária organização das/dos trabalhadoras/es do SUAS. Dessa forma, reafirmamos que garantir a participação de trabalhadores/as nos processos decisórios, é fundamental. Se não tivermos relações coletivas e democráticas, não há cidadania.  

Por esta razão, destacamos a importância da incidência nos espaços de controle social, corroborando dessa forma com a organização e participação coletiva dessas/es trabalhadoras/es, em sua diversidade e pluralidade, tais como os Fóruns Municipais de Trabalhadoras/es do SUAS-FMTSUAS, Fóruns Regionais de Trabalhadoras/es do SUAS-FORTSUAS, Fóruns Estaduais de Trabalhadores/as do SUAS-FETSUAS e o Fórum Nacional de Trabalhadoras/es do SUAS-FNTSUAS.   

A luta pela desprecarização e garantia de condições dignas de trabalho no SUAS precisam ser pautas contínuas nos espaços de participação e controle social e demandam o necessário envolvimento e protagonismo das/os trabalhadoras/es. Para que o SUAS se materialize é fundamental que as/os trabalhadoras/es tenham melhores condições de trabalho, sendo assim, reivindicamos a realização de concurso público e a valorização das/os trabalhadoras/es garantindo a implantação do plano de cargos, carreira e remunerações.  

Portanto, manifestamos nosso posicionamento contrário a todas as formas de exploração e precarização do trabalho, em especial as contratações via MEI, pregão eletrônico, terceirizações, incentivo ao voluntariado, substituição das/os trabalhadoras/es por  profissional em condição de estágio; das cargas horárias extensas, mudança da nomenclatura profissional de formação para outra função dentro do SUAS, que não corresponde à sua área de atuação; entre outras medidas que precarizem as condições de trabalho, inviabilizando a continuidade e qualidade dos serviços ofertados às/os usuárias/os, famílias e comunidades. É preciso, ainda, o combate ao assédio moral, a que várias/os trabalhadoras/es do SUAS estão expostas por seu comprometimento com a Política Nacional de Assistência Social.  

A VALORIZAÇÃO DA/O TRABALHADORA/OR DO SUAS É FUNDAMENTAL, TENDO EM VISTA QUE A MATERIALIZAÇÃO DA POLÍTICA SE DÁ ATRAVÉS DO TRABALHO INTERDISCIPLINAR DESTAS/ES, EM UMA CONSTRUÇÃO INTERRELACIONAL NA OFERTA DE ATENÇÕES COLETIVAS, QUE PROMOVEM DIREITOS E SAÚDE MENTAL. 

O SUAS que queremos” e defendemos está intrinsecamente relacionado a condições dignas de trabalho, com concursos públicos, garantia de autonomia profissional, fortalecimento da identidade das trabalhadoras e trabalhadores do SUAS e, sobretudo, o reconhecimento da essencialidade deste trabalho, traduzido por uma carga horária não estafante e salários compatíveis com as responsabilidades e o compromisso social destes profissionais com as vidas, em toda a sua potência, força e pluralidade.  

Nesse sentido, repudiamos todas as estratégias advindas à Política de Assistência Social contrários o previsto na LOAS e a laicidade do Estado. Por isso, denunciamos veementemente o financiamento público das Comunidades Terapêuticas que são espaços que desempenham atividades de caráter religioso e pautados na lógica manicomial, contrários aos princípios do Estado Laico, da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei Federal n.º 10216/2001) e das garantias sociais afiançadas pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) no tocante à autonomia, matricialidade familiar e territorialidade. Reafirmamos a defesa do cuidado em liberdade e acreditamos que o verdadeiro caminho de atenção psicossocial ao uso abusivo de álcool e outras drogas se efetiva por meio do fortalecimento da intersetorialidade entre a Rede Socioassistencial e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), de modo a promover acesso aos serviços, minimizar vulnerabilidades do território e práticas de redução de danos que possibilitem que as pessoas ressignifiquem suas relações e vidas, de forma autônoma e protagonista, que favorece a dignidade humana.  

Reafirmamos que Assistência Social é direito constitucional do povo brasileiro, e como tal é dever do Estado manter financiamento público e continuado firmado pelo Pacto Federativo. Nesse contexto, o IX Seminário Nacional do FNTSUAS desponta como importante oportunidade de desdobramento das ações e incidências coletivas que culminaram com a atividade autogestionada, realizada durante a 13ª Conferência Nacional de Assistência Social, e objetiva fortalecer e subsidiar a participação das/os trabalhadoras/es nos espaços de controle social, uma vez que o processo histórico recente evidencia que só a luta coletiva favorece a defesa por melhores relações e condições de trabalho.  

A partir desses pressupostos, compreendemos, portanto que a tentativa de alteração da Resolução n° 06/2015 do CNAS, de modo a retirar os fóruns de sua condição de representação, é uma estratégia que fragiliza a luta coletiva, uma vez que divide as forças necessárias na defesa e reconstrução do SUAS e exclui atrizes/atores importantes.  Os Fóruns são instâncias legítimas de organização coletiva e representação das/os trabalhadoras/es, que são contemplados na sua diversidade de vínculos, níveis de formação e especificidade de territórios, agregando capilaridade em municípios distantes e de pequeno porte, garantindo a pluralidade de concepções e realidades para a reconstrução e valorização do trabalho no SUAS. Sendo dever de todas as instâncias do SUAS defender e promover esses fóruns, e não invisibilizá-lo, tornando-se mais uma forma de Assédio Moral com as/os trabalhadoras/es do SUAS.  

Disputas entre as/os trabalhadoras/es não qualificam o SUAS, nem garantem direitos, elas o enfraquecem. O que fortalece o SUAS é a participação coletiva, ampla e democrática das/os trabalhadoras/es em unidade de luta enquanto classe trabalhadora.  

A Resolução CNAS n° 06/2015  legitima todas as representações das/os trabalhadoras/es do SUAS, seja por meio da participação via Fóruns de Trabalhadoras/es do SUAS, Entidades Sindicais, Conselhos Profissionais ou Associações Profissionais de Trabalhadoras/es do SUAS, pois o reconhecimento da diversidade e pluralidade na organização coletiva destas diferentes representações fortalece a luta e oferece maior possibilidade de alcance num território extenso, também diverso, e com dimensões continentais como é o Brasil.   

Por isso, nosso entendimento é de que a Resolução CNAS nº 06/2015 não necessita de modificações e que a representação de trabalhadoras/es está bem colocada na supracitada Resolução. Manifestamos portanto, nossa indignação pelo fato de parte de conselheiros/as do CNAS insistir em pautar a mudança da resolução CNAS nº 06/2015, quando o cenário de enfrentamento à precarização do SUAS deveria ser prioridade absoluta de sujeitos comprometidos/as com seus princípios.  Ressaltamos que a conjuntura exige somar forças e esforços, tendo, portanto, o entendimento de que todas as representações de trabalhadoras/es citadas na resolução são LEGÍTIMAS na sua complementaridade, na sua capacidade de articulação e alinhamento político.   

 O controle social é espaço de dissensos que compreendem a produção de consensos para a construção coletiva e o fortalecimento da sociedade. Entendemos que todas as representações são essenciais na mobilização e lutas políticas das trabalhadoras e trabalhadores. Na democracia que defendemos cabe, em especial aos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Assistência Social, agregar todas as organizações coletivas que fazem as defesas a partir dos princípios expostos no âmbito da participação política, tendo como base o fortalecimento e a efetiva implementação do SUAS. É essa complementaridade que vem proporcionando o aumento de nossa capacidade democrática e de participação no controle social.  

Diante deste quadro aqui apontado, na defesa da universalidade, uniformidade, participação popular e democratização do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, reafirmamos:  

  1. 1. Defesa da Resolução CNAS 06/2015, como está na redação atual; 

  1. 2. Defesa intransigente das atribuições e dos avanços dos espaços de Participação e Controle Social, na perspectiva do atendimento do conjunto dos direitos constitucionais (Dignidade, Racionalidade, Combate à desigualdade social e regional, dentre outros);  

  1. 3. Defesa de um amplo processo de diálogo, com as instâncias de governo, buscando impedir qualquer retrocesso na garantia do direito de participação e controle social, considerando, sobretudo, que esse governo eleito sob a bandeira de recuperar, valorizar, fortalecer e respeitá-los;  

  1. 4. Defesa e fortalecimento da Política de Assistência Social, com recomposição orçamentária a altura dos desafios da conjuntura (vinculação 1%, entre outras), incluindo melhoria das condições de trabalho, realização de concursos públicos;  

  1. 5. Buscar meios que garantam a ampliação da participação da sociedade civil organizada de forma virtual, e que possibilitem interação em tempo real e com a devida consideração das contribuições das/os participantes; avançar na garantia de mecanismos de financiamento para viabilizar de fato e de direito a participação igualitária, sem exclusão por poder econômico de nenhum grau;  

  1. 6. Combate ao desfinanciamento de todas as práticas, programas e projetos que estejam pautados em ideologias não laicas, assistencialistas e clientelistas.  

  

São Paulo, 03 de fevereiro de 2024.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário