As organizações que assinam essa nota, de distintas naturezas – autárquicas, associativas, federativas, sindicais, de movimentos sociais, coletivos e outras – vêm expor o posicionamento contrário às medidas de ajuste fiscal, materializadas no Projeto de Lei (PL) nº 4614/2024 (de autoria do deputado José Guimarães - PT/CE), que retira direitos garantidos no Artigo 203, inciso V da Constituição Federal de 1988 e propõe, especialmente, alterações de grande vulto para acesso e permanência de pessoas idosas e pessoas com deficiência no Benefício de Prestação Continuada (BPC), especialmente de pessoas negras e periféricas - que configuram os setores historicamente mais precarizados no acesso a direitos no país.
O BPC, como conquista constitucional, é a garantia de 1 salário-mínimo para pessoas com deficiência e pessoas idosas que possuem renda familiar per capita inferior à ¼ de salário-mínimo. Dentre as pessoas idosas, estão trabalhadores(as) que, pelo tempo incompleto de contribuição à Previdência Social para a aposentadoria e impossibilidade de sustento e acesso ao mundo do trabalho, recorrem ao benefício assistencial. O BPC substituiu e qualificou a “Renda Mensal Vitalícia”, criada em 1974, um direito do(a) trabalhador(a), que era sucessório a dependentes e passou a ser pessoal e individual.
Trata-se de um benefício que concretiza o direito à segurança de renda no âmbito da política de assistência social e, como tal, deve ser afiançado pelo Estado brasileiro na perspectiva democrática da cidadania e de ampliação de acessos, em detrimento do caráter meritocrático e de “gestão da pobreza” que vem sendo imposto pelo Estado Neoliberal.
Desde sua implementação (1993), esse benefício sofre ameaças e ataques por setores conservadores e neoliberais da sociedade brasileira, que são contrários aos direitos da classe trabalhadora. Mas, como frente a essas ameaças, o BPC possui forte mobilização social para sua defesa e ampliação.
Em 2024, as disputas se acirram e, em resposta a pressões do chamado “mercado”, as propostas de ajuste fiscal do governo federal recaem sobre beneficiários(as) do BPC de maneira arbitrária, injusta, violadora de direitos e ameaçadora das condições de vida da população. Instala-se confronto direto com objetivo nacional e internacional de combate à pobreza, à miséria e à fome.
O PL 4614/2024, em seu inteiro teor, revela que os interesses capitalistas (do tal “mercado”) se sobrepõem nas decisões do Estado brasileiro, em detrimento da vida da classe trabalhadora, da qual expressiva parcela só tem o BPC como oportunidade de sobrevivência. As alterações propostas, sem qualquer debate com a sociedade e com incidência política para votação aligeirada e em caráter de urgência, estão na perspectiva de ELIMINAÇÃO de direitos e, ainda, reforçam uma concepção capacitista, familista e moralizadora da população beneficiária, aviltando princípios fundamentais de defesa da vida e da autonomia para todas as pessoas. Quando impõe barreiras tecnológicas para acesso e permanência do benefício – a exemplo do cadastro biométrico e da atualização cadastral sem investimento para viabilizá-la – o PL impede que beneficiários(as) elegíveis tenham acesso ao benefício.
Quando limita o aumento real do salário-mínimo, além dos custos disso para amplos setores da classe trabalhadora, anuncia, no tempo, graves prejuízos à segurança de renda, afiançada pela política de assistência social, das(os) beneficiárias(os) para suprirem suas necessidades básicas. De modo inconsistente, de baixa sustentação jurídica, social e científica, altera a definição de família, substituindo o direito de cidadania por uma perspectiva que reduz pessoas idosas e com deficiência a “infra cidadãs”. Tal alteração está, na verdade, criando estratégias atabalhoadas para reduzir o acesso ao BPC, podendo gerar maior morosidade no reconhecimento desse direito, ampliando a demanda (que já é alta) de judicialização, que onera o Estado brasileiro em tempo e orçamento.
Ao mudar a conceituação de pessoa com deficiência e impor a ela a condição de “incapacitada para a vida independente e para o trabalho”, o PL, vergonhosamente capacitista, retrocede na defesa dos direitos humanos, viola tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, desconsidera a Lei Brasileira de Inclusão (LBI/2015) e, consequentemente, todo o histórico de lutas das pessoas com deficiência e todas as alterações em legislações posteriores que reconhecem a Classificação Internacional de Funcionalidade e Saúde (CIF), no processo de avaliação do grau de impedimento.
O retorno ao “ato médico” significará o ponto que, talvez, mais excluirá pessoas do acesso ao benefício. O PL busca revogar a justa regra que não contabiliza a renda de um BPC já concedido e de outros benefícios da seguridade social de um membro da família, para a elegibilidade de outro membro ao BPC, dificultando o acesso ao benefício para famílias com múltiplos membros em situação de pobreza. As medidas de ajuste fiscal prometem o equilíbrio das contas públicas, mas entregam aprofundamento da desigualdade!
Prometem equidade no trato das medidas para todos os setores da sociedade, mas, entregam, com requintes de perversidade e de reprodução do racismo estrutural, sufocamento nas condições de vida, em especial de mulheres negras que são a maioria das beneficiárias e, também, das figuras de cuidadoras de pessoas idosas e pessoas com deficiência desse país, com ênfase nas desigualdades territoriais que impactam de forma ainda mais evidenciada as regiões norte e nordeste. Essas medidas afetam toda a população e se expressam (e isso se aprofundará) nas demandas que emergem no contexto dos serviços públicos, em especial, do INSS e do SUAS, gerando descrédito nos direitos sociais, sobrecarga para trabalhadores(as), ampliação de intermediadores que atravessam os direitos da população e, ainda, fome, miséria, violência e desumanidade àqueles(as) que, por obstáculos institucionais, não conseguirão mais acesso ao BPC. Essas expressões poderão, ainda, impactar no aumento de demandas para medidas de acolhimento em Instituições de Longa Permanência para Idosos(as) - ILPIs, que, no conjunto das 1831 existentes no Brasil, possui um custo por pessoa de, aproximadamente, 5X o valor do BPC.
Desse modo, essas medidas criam mais desproteção, maior desigualdade e geram muito mais demandas e necessidade de custeio para as políticas sociais. Estas mudanças no BPC, não só vai impedir o acesso de milhares de pessoas idosas e com deficiência, como vai retirar o benefício de várias pessoas com as revisões já anunciadas pelo governo a partir destas novas “regras”. O ajuste fiscal proposto não é compatível com o mote de reconstrução do Brasil, afiançado pelo Governo Federal, ao contrário, seu mérito destrói direitos conquistados. O PL não oportuniza comida no prato de todo povo brasileiro, defesa feita recentemente pelo Governo Federal junto ao G-20, ao contrário, tira possibilidades de subsistência das pessoas que mais necessitam.
O PL VAI GERAR FOME!
A crítica a tais medidas tem conteúdo histórico, de entidades e sujeitos que constroem os direitos sociais no Brasil há muitas décadas. Em hipótese alguma, ela pode ser confundida com as defesas oportunistas de setores do “centrão”, da direita e da extrema direita que usam essas contradições para ataques não só ao Governo Federal, mas, ataques aos movimentos que lutam por direitos sociais.
É preciso que haja coragem para que o Estado brasileiro assuma, de fato, a direção em defesa do povo e essa nota reivindica isso! Os interesses neoliberais não são os interesses da classe trabalhadora, que não pode pagar com a vida por uma conta que nunca fechará sob o viés do lucro sobre o lucro, da exploração sobre a exploração.
Por essas razões, o PL 4614/2024 não pode prosperar e, esse conjunto de organizações, exige sua imediata RETIRADA da tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta contida no PL 4614/2024 afronta o Estado Social brasileiro, o que faz dela uma estratégia, o que faz dela uma estratégia de injustiça social, em seu caráter racista, capacitista, misógino, patriarcal e etarista.
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